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Francisco Petros e José Marcio MendonçaTerça-feira, 15 de setembro de 2009 - nº 69
Crise : superação espetacular
Temos de admitir que a crise que se instalou na economia mundial foi gigantesca. Sem dúvida, a maior do capitalismo desde os anos 30 do século passado. Não há tergiversação possível sobre isto. Basta dizer que o sistema financeiro norte-americano simplesmente quebrou como inequívoco sinal das generalizadas irresponsabilidades na gestão das carteiras de crédito e na especulação acentuada com o capital próprio dos bancos (e dos seus acionistas). Pois bem : à luz destes fatos, também cabe reconhecer que a recuperação desta crise foi espetacular. A atuação dos governos - somente por parte dos EUA o gasto total ultrapassa US$ 3,0 trilhões -, bem como a resposta dos diversos segmentos do mercado mostraram que, embora a crise tenha sido perigosa e desastrosa, a saída dela tem sido muito positiva. Para aqueles que se pronunciaram pelo fim do capitalismo, viu-se as profecias serem contrariadas e os profetas se tornaram risíveis figuras. O resto é detalhe.
Pouca mudança à vista
Se de um lado é preciso reconhecer que a crise produziu menores catástrofes que alguns previram, de outro lado também é preciso aceitar que há algo errado na atuação dos agentes de mercados em relação ao andamento do processo econômico. A especulação deixou de ser uma forma de agregar eficiência à formação de preços dos ativos para ser um processo de distorção desta eficiência. Os agentes econômicos, durante processos agudos de alta e de baixa dos preços dos ativos, se comportam como "macacos enlouquecidos" e não como "seres racionais". Despreza-se a correlação eficiente entre riscos incorridos e retornos esperados e os preços passam a não representar adequadamente o valor dos ativos, a chamada "bolha especulativa". Há muita conversa sobre mudanças na regulamentação dos mercados, mas o fato é que há poucos sinais de mudança sensível na regulação. Muito papo e pouca ação. Nem mesmo os órgãos multilaterais (BIS, BIRD, FMI, BID, etc.), dominados pelos interesses do mercado financeiro, estão dispostos a fazer grandes mudanças. Os mercados devem voltar, talvez no curto prazo, a incorrer nos seus excessos e os governos parecem dispostos a socorrê-los. Há um "risco moral" o qual todos parecem desejar incorrer.
BIS e os grandes bancos
O Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) é considerado o banco central dos bancos centrais. De fato, é desta instituição que surgem novas regras sobre o funcionamento do mercado financeiro. Pois bem : apesar do pouco apetite do BIS para mudar a regulamentação do mercado financeiro mundial, a instituição está a sugerir que as grandes instituições financeiras mundiais sejam tributadas com alíquotas mais altas para que, desta forma, sejam inibidas a fazer concessões de créditos mais arriscados. Bem, trata-se apenas de um "conselho" do BIS, que antes da crise fazia poucos pronunciamentos sobre a especulação generalizada das instituições financeiras dos países mais desenvolvidos. Agora parece agir. Cautelosamente, talvez para que ninguém lhe ouça.
China, a próxima bolha ?
Há muita empolgação quando se comenta sobre a China. O país comunista, pródigo na destruição do meio ambiente e no desrespeito aos direitos humanos, tem grandes comentadores e fãs ao redor do mundo. Todavia, há razões de sobra para acreditarmos que há sinais de que aquele país possa ser a próxima "bolha" do mercado financeiro mundial. Dentre estes sinais destacam-se o (i) gasto governamental inconsistente com o crescimento do PIB nos próximos anos, (ii) a falta de higidez no (pouco transparente) sistema financeiro estatal do país e na (iii) na farta abundância de crédito num ambiente de enorme especulação, inclusive no mercado imobiliário. Nós já vimos este filme antes, não ?
Barack Obama entre os bancos e os contribuintes
Em discurso ontem, o presidente norte-americano lembrou que a intervenção emergencial do governo está começando a surtir efeito, mas alertou que Wall Street não deve deixar para trás as lições aprendidas com a crise. Puro jogo de cena. O fato é que os contribuintes dos EUA estão enfurecidos com o aumento do desemprego que superará 10% neste mês e o farto apoio do democrata às instituições financeiras. Obama não consegue nem conter a ira da opinião pública e nem os ativos lobbies que cercam a Casa Branca e o Congresso. Ficar sobre o muro não é exclusividade dos tucanos brasileiros apenas...
No Brasil, a crise parece superada
Salve, salve ! O PIB do segundo trimestre subiu 1,9%. Faltam somente 200 mil empregos para que o país recupere o nível de emprego formal pré-crise. O consumo rompe barreiras fruto da maior confiança dos consumidores e da retomada do crédito. Fatos são fatos. A crise mundial afetou muito menos o nosso país. Verdade seja dita e o governo conseguiu administrá-la bem. Não é possível tecer críticas negativas à essência do que foi feito (apoio governamental ao consumo e investimento). O fato de o Brasil não estar vulnerável do ponto de vista externo foi o maior fator para que a crise não nos afetasse dramaticamente. Assim sendo, deveremos voltar ao potencial de crescermos mais de 5% ao ano. Há méritos na política governamental, mas há pecados. Não são veniais. São mortais. Vejamos :
1. A gestão das contas públicas piorou.
2. O sistema tributário não muda, aliás, está ameaçado de piorar com o projeto que tramita no Congresso. Há ainda a nova CPMF.
3. Os investimentos públicos estão em ritmo devagar quase parando.
4. Viu-se algum de novo no setor portuário ?
5. E nas rodovias ?
6. O pré-sal ainda é uma miragem.
Se todos estivessem tão confiantes na "gloriosa" recuperação não estariam dizendo que não é o momento ainda de tirar os incentivos que foram dados emergencialmente. Não se surpreendam se a isenções de IPI foram prorrogadas (leia abaixo).
Meirelles, Mantega e a crise
Sintomático o fato de o ministro da Fazenda e o presidente do BC terem se ocupado na tarefa de dar entrevistas para grandes órgãos de imprensa neste fim de semana. Ambos disputavam o mérito na vitória contra a crise. Uma observação sobre cada personagem : (i) Guido Mantega deixou claro o papel crescente e relevante do Estado na intervenção no processo econômico. Mantega anunciou inclusive novos incentivos à indústria. A crise justificou esta política, mas tal política merece ser consolidada como permanente ? (Pergunta nossa) (ii) No caso de Meirelles, as entrevistas concedidas neste fim de semana têm um evidente sinal por detrás delas : a política de redução de juros acabou. A taxa básica pode ficar estável por um tempo, mas o próximo passo é de elevação.
Lula, segundo ele mesmo
A vaidade sempre foi considerada o mais grave dos pecados capitais. Dela decorrem outras faltas graves. Bem, não nos cabe especular sobre estas faltas. Mas vejamos esta história. Lula conversa com assessores na sede provisória do governo em Brasília, o Centro Cultural Banco do Brasil. Sabe antecipadamente sobre o resultado do PIB do segundo trimestre. Feliz, solta esta : "hoje não acho que seja justa a comparação de meu governo com nenhum outro da República. O meu governo é melhor que o de Vargas." Bem, os fatos estão a favor do presidente, mas não há ninguém mais a seu favor do que ele mesmo.
Alerta para a oposição
O grande eleitor de 2010 será a economia. E nesse ponto a notícia do PIB do segundo trimestre foi um verdadeiro desastre para a oposição. Um estudo de dois professores da USP, Alex Ferreira e Sérgio Sakurai, com base em dados de uma série longa das pesquisas de opinião sobre eleições e popularidade presidencial, comprovou que o fato que mais contribui para o prestígio de Lula é o índice de emprego. Por essas e outras, sem um discurso afirmativo, a oposição está meio desarvorada.
Radar "NA REAL"
As notícias são promissoras, tanto do ponto de vista doméstico quanto do ponto de vista externo. A recuperação está se tornando visível. Ainda não sabemos minimamente sobre a grandeza desta recuperação, mas o fato é que não era tão esperada há seis meses. O mercado mundial parece estar apostando que tal recuperação será crescente e consistente. Bem, somente na confortável cadeira do futuro é que poderemos saber se estas expectativas são verdadeiras. Todavia, o mercado vive de expectativas. Assim sendo, os sinais vitais de benignidade dos fundamentos do mercado permanecem firmes, sólidos e consistentes. Não há razões objetivas para acreditarmos em nada negativo no curto prazo. No médio prazo, os riscos externos estão relacionados à capacidade de sustentação da demanda sem o suporte fiscal dos governos e aqui no Brasil o risco principal é fiscal - o governo gasta mais do que deveria e de forma inconsistente com o crescimento do PIB. Continuamos acreditando em uma "realização de lucros" no mercado de renda fixa e variável, aqui no Brasil e no exterior. Até agora, nenhum sinal de baixa (momentânea) nos preços dos ativos. Todavia, permanecemos aconselhando cautela no curtíssimo prazo em relação aos mercados. Mais uma vez repetimos : cautela não é pessimismo.
11/9/9 |
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TENDÊNCIA | |||
SEGMENTO | Cotação | Curto prazo | Médio Prazo |
Juros ¹ |
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- Pré-fixados | NA | estável | alta |
- Pós-Fixados | NA |
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- EURO | 1,4602 | estável/alta | alta |
- REAL | 1,8306 | estável/baixa | alta |
Mercado Acionário |
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- Ibovespa | 58.366,38 | estável/queda | estável/alta |
- S&P 500 | 1,042,73 | estável/queda | alta |
- NASDAQ | 2,080,90 | estável/queda | alta |
(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Olhar para dentro
O governo Lula acaba de lançar o programa "Fim de Linha" para evitar que o Brasil, como vemos às vezes retratado em alguns filmes, continue sendo visto como um paraíso para o banditismo internacional, um refúgio seguro para marginais de várias categorias. Ótimo ! Contudo, seria bom também que se lançasse um programa idêntico para o banditismo tupiniquim, este (tanto o banditismo comum como o de colarinho branco) muito mais pernicioso aos brasileiros que Ronald Biggs, Buschetta e Battisti... Juntos !
A guerra é pesada
Lula, maior cabo eleitoral de Dilma Roussef, queria que o Congresso apenas assinasse embaixo dos seus quatro projetos com as novas regras de exploração de petróleo no Brasil. Vai ter de administrar disputas fratricidas no Congresso :
1. A briga entre estados produtores e não produtores no pré-sal pelos royalties do negócio. Ele queria deixar isto para depois de 2011, mas os governadores não querem.
2. A disputa pelo dinheiro a ser aportado no Fundo Social. Era para ser apenas para saúde, educação e ciência e tecnologia ; por causa da Marina Silva foi ampliado para o meio ambiente e a cultura (ministério do PV) ; e no Congresso todos querem uma lasquinha : os defensores da reforma agrária, dos esportes, dos quilombolas, a previdência, dos aposentados, dos índios, etc.
3. A pressão de setores econômicos para serem incluídos na lista dos que receberão incentivos fiscais, outros benefícios e proteções por serem da "cadeia" do petróleo.
Se Lula não tiver pulso firme, em vez de incentivar a campanha de Dilma o pré-sal pode azedar as relações com aliados e companheiros.
O grande mote de Dilma
O governo vai badalar os sinos na recuperação econômica para azeitar Dilma. Porém, o grande mote de campanha da ministra, se Lula vencer os embates relacionados acima, será mesmo o pré-sal. É uma promessa fascinante e que não poderá ser cobrada ou confrontada, pois tudo está ancorado no futuro, no mínimo para 2014, 2015. Por isso, substituirá gradativamente o PAC nos palanques. O sucesso deste pode ser objetivamente medido e comprovado e, pelo andar do cabriolé, não vai render muitas fotos positivas.
É Dilma e acabou !
Os insatisfeitos - e eles estão crescendo depois dos dados de algumas pesquisas públicas e privadas - que se mudem : para Lula é Dilma, Dilma, Dilma e pronto. As mudanças de tom em algumas falas do presidente, que parecem indicar alguma vacilação, são apenas indicações de que ele se rendeu à evidência de que a candidatura de Ciro Gomes é quase irreversível e que a de Marina Silva não é irrelevante conforme ele gostaria. Sabe o presidente que não pode brigar com os dois. Por causa de um provável segundo turno, engole os dois sapos a contragosto.
Vingança maligna
Tancredo Neves dizia que o ex-presidente Itamar Franco guardava suas raivas na geladeira para destilá-las publicamente em algum momento. Lula não é diferente. Que se cuidem aqueles que ele classifica como inimigos, na oposição e até entre os aliados. Aqueles que ousaram, ousam ou ousarão contrariá-lo. Chuvas e trovoadas sobre eles se abaterão na hora certa. Promessa do próprio vingador.
O jogo do PMDB e de Lula
Reservadamente, sem alardes públicos, desenvolve-se nos bastidores da sucessão presidencial uma pesada queda de braço entre Lula e o PMDB que tende a apoiar Dilma em 2010 :
1. Lula deseja que o PMDB defina o mais rápido possível a aliança formal em torno da candidatura da ministra da Casa Civil. O PMDB quer ganhar tempo, para ver como vai o nível de intenção de votos em Dilma.
2. O PMDB quer que Lula indique oficialmente que a vaga de vice de Dilma será do partido. Lula não deseja se comprometer com isso, publicamente, tão cedo.
3. Lula deseja que o PMDB trabalhe suas direções regionais para fechar logo os acordos dos palanques estaduais com o PT, enquadrando alguns de seus diretórios estaduais. O PMDB quer que Lula e a ministra Dilma Roussef force o PT a aceitar todas as ambições regionais do partido.
Dedé, Didi, Mussum e Zacarias
O quarteto deve ter sido consultado sobre a compra dos 36 aviões de caça franceses pelo Brasil lá pelos lados do paraíso. Nunca neste país se viu tanta trapalhada política, diplomática e militar juntas. Os desdobramentos serão pesados. Mas é ilusão pensar que a preferência pelo Rafale francês, anunciada pessoalmente pelo presidente Lula, possa ser alterada. Seria outra trapalhada pior ainda. Além do mais, ainda mais quando criticado, Lula não é de recuar. Os últimos ensaios são apenas jogo de cena para tentar conter as consequências mais desastrosas que vêm por aí.
Promessa francesa, promessa japonesa
Uma das alegações brasileiras para justificar a opção pelos Rafale foi a de que Nicolas Sarkozy prometeu a transferência irrestrita de tecnologia para o Brasil. Em matéria de tecnologia militar, seria o primeiro caso no mundo. Além do mais, devemos lembrar outro precedente. Quando decidiu que o Brasil iria usar o padrão japonês no lançamento da tevê digital, o ministro Hélio Costa apontou como uma das razões o compromisso dos japoneses de instalar um fábrica de chips no país. Passados mais de três, até agora o ministro das Comunicações ainda não anunciou o lugar onde a indústria japonesa de chips será construída no Brasil.
O protecionismo, de novo
No final de semana, os EUA aumentaram as tarifas sobre os pneus importados da China, e os chineses responderam aplicando restrições às importações de carne de frango e de produtos automotivos norte-americanos. Este não é um fato isolado. Há muitos executivos de indústrias "tradicionais" (de menor conteúdo tecnológico) pressionando as autoridades norte-americanas a adotarem barreiras alfandegárias e não-alfandegárias contra importações, sobretudo chinesas. É uma das formas de se reduzir o impacto do desemprego nestes setores. De outro lado, está aberto o flanco para que outros países venham a adotar medidas protecionistas.
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A coluna Política & Economia NA REAL, integrante do portal Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada por José Marcio Mendonça e Francisco Petros.
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Francisco Petros
Economista e pós-graduado em finanças (IBMEC). Trabalha há vinte anos na área de mercado de capitais, especialmente no segmento de administração de fundos e carteiras, corporate finance e consultoria financeira.
Foi Presidente da APIMEC- Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (2000-2002).
José Marcio Mendonça
Jornalista profissional, analista de riscos. Foi diretor da Rádio Eldorado, de São Paulo, e chefe de redação da Sucursal Brasília dos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde".
Editou o "Caderno de Sábado", suplemento de cultura o JT. É editor do blog "A política como ela é" e colunista do jornal "Diário do Comércio" (SP).
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