por
Francisco Petros e José Marcio MendonçaTerça-feira, 30 de junho de 2009 - nº 58
Macunaíma, Sarney, Renan e Lula - I
Lembrem-se da cena em que Macunaíma e seus dois irmãos se banham na água que embranquece. Mário de Andrade metaforizava a formação étnica do povo brasileiro. Nesta cena, Macunaíma foi o primeiro a entrar naquela água e se tornou louro. Jiguê é o segundo e, como a água já estava escurecida pela presença anterior de Macunaíma, este se tornou bronzeado, simbolizando o índio. Seu outro irmão Manaape apenas embranquece as palmas das mãos e dos pés ao banhar-se naquela água estranha. Assim, estava representada de forma literária a raça brasileira. Mário de Andrade e sua estória. Tempos passados.
Macunaíma, Sarney, Renan e Lula - II
De outra forma. Havia uma poça de lama daquela região do país dominada pelo cerrado. Renan, o primeiro companheiro, com aquela cor "collorida", adentra à vasta poça e, ao sair revestido de lama, torna-se um acadêmico de fardão e com um bigodão a pesar no rosto arredondado. Carrega nas mãos livros de qualidade literária duvidosa. Ah ! Também carrega um diário "Secreto". O que haverá naquele diário ? A poça de lama se torna mais densa ainda. Sarney, o segundo companheiro, mergulha rápido naquela poça. Não perde tempo, é claro ! Quando sai, seu corpo torna-se atarracado e suas palavras resvalam por entre os lábios o que dá a sensação de que as frases, antes acabadas por um vernáculo empolado, soam agora com erros de concordância verbal. O antigo bigode torna-se uma barba bem aparada, grisalha e sem falhas. Lembra um velho sindicalista da região do ABC que pregava em praças públicas sobre as mazelas das injustiças e da corrupção. Pois bem : poderia ser assim imaginada a formação "étnica" do Governo Lula. De forma metafórica, é claro ! Tudo isto não passa de uma imaginação pictórica. De um sonho. Ou será um pesadelo ? Mário de Andrade infelizmente não entenderia este mau uso de sua obra-prima.
Os poderes do Greyscol do Maranhão
Não é impossível, mas é praticamente improvável que Sarney apeie por conta própria ou venha a ser apeado da presidência do Senado, por conta dos escândalos que envolvem a Casa e sua própria radiografia. E as razões são simples e objetivas, não é preciso buscar explicações na "ciência" política nem em teorias conspiratórias a favor. Eis o que temos :
1. O PMDB tem um latifúndio de tempo no horário eleitoral obrigatório em 2010.
2. As eleições de 2010 estão aí.
3. O propósito do presidente Lula de fazer uma ampla aliança na disputa presidencial, isolando do outro lado o PSDB, o DEM e o PPS.
4. O conteúdo da caixa preta do Senado, dos mais de 650 atos secretos e dos negócios do PRODASEN e a Gráfica, por onde passaram benefícios pluripartidários.
5. A CPI da Petrobras e agora também a CPI do DNIT.
6. A memória seletiva de Agaciel Maia, de João Carlos Zoghbi e de outros "senadores de gabinete", sem votos, porém não menos influentes e informados.
A maior probabilidade é que apareça um grande "acordão" para superar o impasse com o menor prejuízo possível para todas as partes interessadas. Sarney tem a força ! Macunaímica, no caso !
Silêncio constrangedor
Como se escrevia nas folhas de outrora, está "causando espécie" o silêncio do PMDB da Câmara em relação às agruras porque passa seu correligionário Sarney no Senado. É certo que os dois PMDBs sempre se estranharam, mas a confusão senatorial pode ferir o partido como um todo e não apenas a parcela que segue a liderança de Renan Calheiros. O que justificaria um gesto de solidariedade da turma comandada por Michel Temer. Porém, um poder mais alto está se alevantando : a vaga de vice-presidente na chapa de Dilma Roussef. Os PMDBs não são solidários nem nas dificuldades.
O fato e a versão
Depois de algumas dúvidas, o governo reservou mesmo para o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, a vaga que vai se abrir no TCU. A primeira indicação direta de Lula. O PT, como em tudo e sempre, aspirava tal lugar. E a candidata, com o apoio de Dilma Roussef, era sua segunda na Casa Civil, Erenice Guerra. Erenice teria perdido a batalha porque, com o afastamento de Dilma do Ministério para disputar a sucessão de Lula, o governo precisaria de alguém de extrema confiança de Dilma e que já conhece as entranhas da Casa Civil, inclusive tudo sobre o PAC, para evitar riscos de paralisia numa área vital. Esta é a versão oficial. A razão real, no entanto, é bem outra. Erenice esteve diretamente envolvida na história do vazamento das despesas do casal presidencial FHC/Ruth, caso escabroso nunca bem esclarecido. As indicações para o TCU passam por uma aprovação no Senado, com sabatina do candidato e tudo. E não seria, digamos, de bom tom eleitoral remexer nesse monturo.
Plano Real - 15 anos
Amanhã, dia 1º, é o aniversário de quinze anos do Plano Real. Certamente aquele plano foi um dos mais sucedidos da história econômica no que se refere à estabilização da moeda. Diante de um processo de hiperinflação indexada, a estratégia traçada pelo governo de Itamar Franco, sob a liderança de FHC na Fazenda, foi formidável. O mecanismo utilizado (a URV) para "administrar as expectativas" foi fundamental. O risco principal estava na política cambial. A taxa de câmbio não foi fixada - isto apenas foi feito por ocasião da quebra do México no início de 1995 -, era flexível e proporcionou uma extraordinária valorização do Real nascente em função do volumoso ingresso de recursos externos. Além disso, o Real para cima significou a inflação para baixo. FHC deve sua eleição (contra Lula) ao Real. E deve à sua reeleição ao abuso na utilização do câmbio fixo como instrumento de controle da inflação. Como plano de estabilização foi um plano extraordinário. Outras conquistas foram feitas na sequência da estabilização, destacadamente o saneamento do sistema financeiro (privado e público) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. O programa de privatização de FHC foi controvertido. Ali se fez uma espécie de "política industrial" o que favoreceu o aumento da produtividade. De outro lado, concentrou o controle acionário sob as mãos privadas de várias empresas e se perdeu a oportunidade de popularizar o capitalismo no Brasil.
E Hoje ?
A estabilidade monetária é certamente um valor para a sociedade. Um processo inflacionário exacerbado parece algo descabido e improvável no Brasil de hoje. Todavia, faltam-nos as reformas estruturais que do ponto de vista micro e macroeconômico reforçariam o "arcabouço" da estabilidade. Depois da introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal quase nada foi feito do ponto de vista estrutural. A independência do BC está esquecida e quando é levantado o debate sobre ela é essencialmente ideológico. A reforma da Previdência Social simplesmente foi inviabilizada politicamente pela defesa dos interesses de setores organizados da sociedade, sobretudo o sindicalismo (sem causa) e o funcionalismo público. A reforma tributária e fiscal repousa sobre as águas do centralismo das receitas e de um federalismo que não permite que se mexa no status quo de Estados e municípios. As reformas microeconômicas, sobretudo aquelas relacionadas com menos burocracia estatal, não são parte da pauta do governo e do Congresso. As reformas do setor social caminham a passos lentos. Evoluímos no que se refere ao Bolsa-família, enquanto programa de transferência de renda. Todavia, não foi encontrada uma forma inteligente de integrá-la à educação e ao desenvolvimento das regiões mais pobres do país. A verdade é que estamos dominados pelo debate conjuntural. A eleição de Lula foi um avanço imenso da democracia brasileira. Todavia, o carisma social de seu governo obscurece a verdade de que do ponto de vista estrutural quase nada foi feito. Temos uma política econômica eficiente para manter a estabilidade, mas continuamos incapazes de engendrar um crescimento robusto acima da média mundial. Infelizmente o debate sobre estes temas está empobrecido e, de muitas formas, esquecido.
E hoje - 2
Para completar, corremos o risco de perder um dos pilares da estabilidade alcançada pelo país : o relativo equilíbrio das contas públicas. O governo, mesmo diante da perda de receitas, insiste em aumentar as despesas correntes, o que, no longo prazo, pode comprometer a política antiinflacionária. E também a saudável escalada, para baixo, da taxa básica de juros. Em lugar de cortar despesas não saudáveis, para deixar sobras de recursos para incentivar os investimentos públicos, a estratégia da equipe econômica é a de comprometer o superávit primário. Vai funcionar durante algum tempo, depois, se não houver recuperação da receita...
A carta de Mantega ao G-20
Foi divulgada nesta segunda-feira a carta que o ministro da Fazenda Guido Mantega enviou em 22/6 aos seus colegas do G-20 pedindo que todos os países mantivessem as políticas de estímulo econômico. Tem razão o ministro : o crescimento econômico mundial é ainda tênue e, mesmo que o pior tenha passado, a participação dos Estados no processo de recuperação persiste fundamental. Todavia, o que está se tornando mais visível é que estão crescendo velozmente no mundo as preocupações com a viabilidade de políticas fiscais com déficits dos erários tão grandes. Vejamos, apenas como um exemplo, o caso do Reino Unido. Já foi gasto mais da metade do PIB para sanear o sistema financeiro e a recuperação do crédito ainda é incipiente no médio prazo (um ou dois anos). Há quem duvide, neste caso, que a política do governo é ineficiente. Não é à toa que o Partido Conservador avança celeremente para ganhar as eleições do ano que vem. Pois bem : as inquietações com os enormes déficits públicos estão deixando o mercado de renda fixa, sobretudo no caso dos títulos dos governos, muito instável. A questão é : como os governos saberão identificar o momento certo de começar a apertar a política fiscal ? Haverá condições políticas de fazê-lo ? Mantega está a pregar corretamente pela manutenção dos estímulos fiscais dos países do G-20. A nova pauta, contudo, é somar a estes apelos uma visão de mais longo prazo sobre a política fiscal.
Déficit fiscal de maio
Não é um absurdo se esperar que o gasto público cresça para suportar a demanda (cadente) da economia brasileira. A queda de arrecadação de 7% em maio é coerente com esta política. Contudo, a elevação de 18,7% das despesas correntes do setor público no período de janeiro a maio deste ano em comparação com o mesmo período do ano anterior é um risco e tanto. A folha de pagamento da União já é mais de 5% do PIB o que é elevadíssimo e as despesas com os vencimentos dos funcionários subiram mais de 22% nos cinco primeiros meses. Do lado positivo destaque-se o aumento dos investimentos públicos (+25%) em programas como o PAC e o PPI (Programa-Piloto de Investimento).
Nosso alerta
Temos alertado os nossos leitores sobre dois aspectos. Vamos repetir mais uma vez : (1) a rota dos gastos públicos é perigosa em função da elevação constante e a taxas altas das despesas correntes do governo; (2) tanto o governo quanto a oposição precisam oferecer uma visão sobre o médio prazo no que se refere ao setor fiscal. Há elevada probabilidade de que a desconfiança com o lado fiscal que vigora lá fora "contamine" o ambiente doméstico. E não esquecemos : ano que vem é ano eleitoral. Já sabemos o que acontece com as contas públicas nesta época.
Radar NA REAL
Não estamos fazendo nenhuma alteração substancial nas tendências dos diversos segmentos do mercado financeiro. Apenas reforçamos a visão de que acreditamos que as taxas de juros dos títulos prefixados no médio e longo prazo (de 2010 até 2012) estão baixas demais. A situação fiscal preocupa. Aqui e lá fora. É hora de encurtar prazos nas aplicações. Do lado do câmbio, está se confirmando a nossa visão de que no curto e quiçá no médio prazo o real não se valoriza muito mais além do patamar atual. O mercado acionário deve continuar a gravitar em torno do mesmo nível atual. As bolsas lá fora devem andar nos próximos meses melhor que aqui no Brasil. Tudo isto num ambiente ainda muito desconfiado, seja com a recuperação, seja com o lado fiscal das políticas econômicas dos países centrais.
26/6/09 |
|
TENDÊNCIA | |||
SEGMENTO | Cotação | Curto prazo | Médio Prazo |
Juros ¹ |
|
|
|
- Pré-fixados | NA |
estável | alta |
- Pós-Fixados |
NA | queda/estável | estável/alta | |
Câmbio ² |
|
|
|
- EURO | 1,406 | alta | alta |
- REAL | 1,934 | estável | alta |
Mercado Acionário |
|
|
|
- Ibovespa | 51.485,61 | estável/queda | estável/alta |
- S&P 500 | 918,90 | estável | alta |
- NASDAQ | 1838,22 | estável | alta |
(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Liberar geral ?
A declaração do presidente Lula de que o Brasil é um país feito para não funcionar porque tem fiscalização demais, tem um endereço certo : o TCU. É um reforço aos planos do próprio governo e do Congresso de diminuir o raio de ação do Tribunal. País bom para muita gente é um país sem fiscalização, nem de órgãos oficiais nem da imprensa.
Troféus para Gabrielli
Se tivéssemos no Brasil um troféu para o de homem público com mais soberba e outro para o de homem público mais inábil politicamente os dois já teriam um candidato imbatível : o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. O petista baiano tantas tem feito, ora provocando a imprensa, ora provocando os próprios senadores, que vai acabar contribuindo decisivamente para a instalação da CPI da Petrobras. Aquela que ele diz não temer, mas que não faz outra coisa senão trabalhar para boicotá-la.
Se pode piorar, piora
Numa presteza e velocidade incomuns em suas atividades normais, a Câmara prepara para esta semana, provavelmente, a votação de algumas modificações na legislação eleitoral. Se não sair quarta-feira, o pacote certamente sai antes do recesso de 15 de julho. No Senado, terá a mesma célere tramitação, para ficar pronta até o início de outubro, a ponto de valer no ano da graça eleitoral de 2010. Nada de entusiasmar, coisas apenas de interesse da "política dos políticos". Vejamos três das mudanças propostas :
1. Vão ser confirmadas, para evitar a interferência da Justiça Eleitoral, as doações (na verdade, investimentos em busca de retornos no futuro) eleitorais para os partidos. Sem identificação dos destinatários. As empresas entregam o dinheiro aos partidos e eles distribuem aos candidatos. Negócios escondidos.
2. Vão restringir o uso da Internet nas campanhas. É o medo da liberdade, a tentativa de manter as coisas sob controle. Beneficia quem já está no jogo.
3. Um artigo vai permitir, por 30 dias, um ano antes das eleições, que os políticos troquem de partido sem obediência às normas de fidelidade partidária. É a janela da infidelidade.
Somente o que é bom não prospera. Em que pé está, por exemplo, a ideia de criar algum empecilho às candidaturas dos chamados "fichas-suja" ?
Derrota dos Kirchners
Fique de olho : a deterioração política do governo argentino é equivalente à queda na qualidade dos indicadores econômicos. Lá o governo gastou quase todas as balas para recuperar a economia no curto prazo. Não conseguiu e o erário está em frangalhos. Vem mais instabilidade por aí que somada ao Paraguai, Bolívia, Venezuela e Equador demonstra que a América do Sul não é para amadores... O Brasil terá, certamente, dentro da política de "boa vizinhança" seguida pelo governo, de abrir de novo seu pronto socorro para servir os amigos. Até quando terá bala para isso sem prejudicar a economia nacional e as empresas brasileiras ?
____________
A coluna Política & Economia NA REAL, integrante do portal Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada por José Marcio Mendonça e Francisco Petros.
Se você deseja compartilhar gratuitamente estas migalhas, verdadeiras pílulas de sapiência, com algum amigo, alterar seu e-mail, ou cancelar o envio, clique aqui.
____________
Francisco Petros
Economista e pós-graduado em finanças (IBMEC). Trabalha há vinte anos na área de mercado de capitais, especialmente no segmento de administração de fundos e carteiras, corporate finance e consultoria financeira.
Foi Presidente da APIMEC- Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (2000-2002).
José Marcio Mendonça
Jornalista profissional, analista de riscos. Foi diretor da Rádio Eldorado, de São Paulo, e chefe de redação da Sucursal Brasília dos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde".
Editou o "Caderno de Sábado", suplemento de cultura o JT. É editor do blog "A política como ela é" e colunista do jornal "Diário do Comércio" (SP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário